Jacobus Arminius: O Teólogo que Teimava com Graça (e com Beza)


Por um calvinista roxo tentando ser justo com um opositor

Falar de Jacobus Arminius não é simples — especialmente para alguém como eu, que aprecia a doutrina da predestinação como quem aprecia café forte: sem açúcar e sem diluição. Sou calvinista convicto (alguns diriam roxo, e não nego), o que torna esta tarefa quase como escrever uma carta de recomendação para o colega com quem mais discordei na universidade. E ainda assim… aqui estou. Por quê? Porque a história da Igreja merece justiça. E Arminius, goste-se ou não de sua teologia, foi um personagem essencial, profundo e até — admito — surpreendentemente instigante.

Um começo improvável (e um nome artístico)

Nascido Jakob Hermanszoon em 1560, na pequena Oudewater, Países Baixos, Arminius teve uma infância marcada pela perda do pai e pelas dificuldades. Graças a patronos generosos, estudou em Leiden e depois em Genebra com ninguém menos que Theodore Beza, sucessor direto de João Calvino. Sim, ironias históricas são abundantes. Arminius foi formado no melhor da ortodoxia reformada… e, ao que parece, resolveu testar suas fundações com um martelo diferente.

Uma discordância que fez barulho

Já de volta à Holanda, como pastor e professor de teologia, Arminius começou a questionar a rigidez com que a doutrina da predestinação era ensinada. Não via nela a totalidade do Deus amoroso revelado em Cristo. Sua defesa era pela responsabilidade humana diante da graça divina — uma graça necessária, mas que podia, segundo ele, ser resistida.

O ponto aqui é importante: Arminius não era um exaltador do livre-arbítrio por si só. Seu problema não era a soberania de Deus, mas uma visão que, segundo ele, tornava essa soberania incompatível com a justiça e o amor divinos.

Se como calvinista isso me inquieta? Claro. Mas também me força a pensar melhor sobre as implicações da doutrina que amo. E nisso, Arminius prestou um serviço, mesmo sem querer.

Remonstrantes, controvérsias e… um gato?

Após sua morte em 1609, seus seguidores formalizaram seus pontos em cinco artigos, conhecidos como os “Artigos da Remonstrância”. Foi a faísca que levou ao Sínodo de Dort (1618–1619), onde os calvinistas — num contra-ataque brilhante — sistematizaram os cinco pontos da TULIP.

Diz a lenda (e aqui vai um momento de leveza) que, certa vez, durante uma pregação sua, um gato subiu ao púlpito e miou alto três vezes. O público ficou dividido: seria um sinal contra a predestinação ou apenas mais um animal querendo liberdade? A teologia, ao que parece, sempre atrai até a criação.

Arminius: opositor ou pedra de afiar?

Ainda que eu discorde de suas conclusões — e discordo profundamente — não posso negar que Arminius forçou a Reforma a olhar no espelho. Foi uma pedra de afiar a lâmina do pensamento reformado. Sem ele, talvez não tivéssemos a clareza doutrinária que hoje temos nos Cânones de Dort.

Sua coragem em propor debate, sua fidelidade às Escrituras (ainda que divergente da tradição calvinista) e sua postura acadêmica equilibrada fazem dele um opositor digno — daqueles que nos ensinam, mesmo sem querer.

E então, no fim das contas… quem tem razão?

Um calvinista escrevendo sobre Arminius? Sim. E não, isso não é exatamente fácil. Mas talvez justamente aí esteja um dos maiores testemunhos da soberania divina: o fato de que até mesmo as ideias com as quais discordamos profundamente podem nos edificar — se nos dispusermos a ouvi-las com reverência e temor do Senhor.

Arminius, com sua doutrina da graça resistível, resistiu à tendência de aceitar explicações fáceis e sistemas fechados. Ele nos obrigou a refletir, argumentar e, mais importante ainda, retornar às Escrituras. Mesmo discordando de suas conclusões, sou grato pelo incômodo teológico que ele causou — porque incômodos assim, às vezes, nos levam mais fundo do que as certezas confortáveis.

E se a graça é mesmo irresistível, como creio de todo o coração, talvez até este artigo — escrito por um calvinista roxo, tentando ser justo com um opositor — seja mais uma evidência de que Deus governa tudo. Inclusive a nossa disposição de reconhecer a honestidade e a contribuição de quem pensa diferente.

TULIP vs. Remonstrância – comparando os cinco pontos

Depravação Total (Calvinismo): O ser humano está espiritualmente morto e não pode buscar a Deus por si mesmo. Versículos: Efésios 2:1; Romanos 3:10-12; João 6:44
Depravação Parcial ou Graça Preveniente (Arminianismo)
: O pecado afetou tudo, mas Deus dá a todos a chance de responder à Sua graça. Versículos: João 12:32; Tito 2:11

Eleição Incondicional (Calvinismo): Deus escolheu os salvos antes da fundação do mundo, por Sua vontade, não por mérito. Versículos: Efésios 1:4-5; Romanos 9:15-16
Eleição Condicional (Arminianismo)
: Deus escolhe com base na fé que sabia que a pessoa teria. Versículos: Romanos 8:29; 1 Pedro 1:2

Expiação Limitada (Calvinismo): Jesus morreu apenas pelos eleitos. Versículos: João 10:15; Mateus 1:21
Expiação Ilimitada (Arminianismo)
: Jesus morreu por todos, mas só os que creem são salvos. Versículos: 1 João 2:2; 1 Timóteo 2:4-6

Graça Irresistível (Calvinismo): Quando Deus chama alguém para a salvação, essa pessoa sempre responde com fé. Versículos: João 6:37; Atos 13:48
Graça Resistível (Arminianismo)
: A pessoa pode rejeitar a graça de Deus. Versículos: Atos 7:51; Mateus 23:37

Perseverança dos Santos (Calvinismo): Os verdadeiros crentes nunca se perderão. Versículos: João 10:28-29; Filipenses 1:6
Possibilidade de Queda (Arminianismo)
: Mesmo salvo, o crente pode cair e se afastar da salvação. Versículos: Hebreus 6:4-6; 2 Pedro 2:20-22


Ó Deus, Soberano e Justo,

Tu, que em Tua infinita sabedoria governas até os debates mais árduos entre Teus filhos, sê engrandecido. Pois mesmo as disputas teológicas não escapam ao Teu controle, antes servem aos Teus propósitos eternos, revelando-nos mais de Ti, afiando-nos na fé e conduzindo-nos à verdade pela estrada muitas vezes desconfortável da reflexão.

Confesso diante de Ti, Senhor, como calvinista que ama Tuas doutrinas como se ama o pão que sustenta a alma, que não me é fácil olhar com simpatia para os que se afastam daquilo que tenho por central. E, no entanto, não posso negar que o Teu servo Arminius, ainda que tenha seguido caminhos teológicos que não posso endossar, foi usado por Ti. Usado para testar, provocar e até purificar nossa compreensão daquilo que Tu revelaste.

Dou-Te graças pela coragem que lhe deste, pela honestidade de sua busca, pela forma como desafiou não por vanglória, mas por desejo sincero de entender-Te melhor. Que esse exemplo, mesmo em rota diversa, me ensine a ser mais cuidadoso com Tuas Escrituras, mais reverente diante de Teus mistérios e mais humilde naquilo que creio ter compreendido.

Preserva-me, Senhor, na beleza pura e vigorosa da Tua verdade. Não permitas que eu dilua o evangelho nem que negocie Tuas promessas eternas. Mas concede-me também um espírito manso ao contemplar aqueles que divergem — que eu veja, neles, não inimigos, mas espelhos que revelam partes do meu próprio orgulho e limitação.

Faz-nos, como Igreja, firmes na Palavra e ternos no trato. Que nosso zelo não mate a misericórdia, nem nossa misericórdia destrua o zelo. Ensina-nos a reconhecer a Tua mão até nos opositores, pois quem poderá saber se não são eles a lima com que Tu afias a lâmina do Teu povo?

E, se de fato a Tua graça é irresistível — como creio de todo o coração —, que ela me constranja agora a reconhecer o Teu propósito até mesmo nas ideias que me inquietam. Que eu veja, na divergência, o convite à dependência. No desconforto, o chamado ao arrependimento. E, em tudo, o Teu reinado absoluto.

Em nome de Jesus, a Verdade viva, oro e descanso.
Amém.

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