Jean du Bordel e os Primeiros Calvinistas no Brasil: Uma Promessa Plantada em Terra Estrangeira

A Chegada dos Reformadores ao Brasil

O ano era 1557. Sob a liderança espiritual de Villegagnon, um almirante francês inicialmente simpático à Reforma, um grupo de huguenotes calvinistas — entre eles Jean du Bordel — chegou ao Rio de Janeiro com o objetivo de estabelecer uma colônia francesa e, ao mesmo tempo, viver sua fé reformada livremente. Porém, a história não foi fácil.

Em pouco tempo, as tensões teológicas entre católicos e protestantes se intensificaram. Villegagnon, que outrora parecia acolhedor, revelou-se hostil aos princípios da fé reformada. A dúvida, o medo e o autoritarismo começaram a tomar conta de seus julgamentos. Questionamentos doutrinários sobre a Ceia do Senhor e a presença real de Cristo dividiram profundamente os colonos. Jean du Bordel, junto a outros irmãos de fé, permaneceu firme na confissão calvinista, recusando-se a negar as verdades que cria estarem ancoradas na Escritura.

Villegagnon os acusou de heresia. Não houve julgamento justo — apenas um decreto de morte. Jean du Bordel foi lançado em um calabouço escuro e úmido, junto com seus companheiros. Ali, escreveram uma confissão de fé que ecoaria na história como testemunho de coragem e fidelidade.

No dia da execução, Jean foi arrancado da cela, fraco e faminto, mas com os olhos voltados para o céu. Amarrado e arrastado para as águas da Baía de Guanabara, ele teve sua última oportunidade de renunciar à fé — mas permaneceu firme. Suas últimas palavras foram de louvor a Cristo. Foi então jogado ao mar, afogado por ordem direta de Villegagnon.

Jean du Bordel foi martirizado brutalmente, tornando-se um dos primeiros a derramar seu sangue pela causa do Evangelho reformado no Brasil. Sua morte não silenciou a fé, mas a plantou ainda mais fundo na terra brasileira — como uma semente que, embora esmagada, germina em testemunho eterno.

Mas quem eram esses homens? De onde vinham? E por que essa fé reformada cresceu em outros lugares e não no Brasil?

Os Países Onde a Reforma Criou Raízes

A Reforma Protestante, iniciada por Lutero na Alemanha em 1517, encontrou terreno fértil em várias regiões da Europa. A mensagem de que a salvação é pela graça, mediante a fé, e que a autoridade final é a Escritura, ressoou no coração de muitos. Os reformadores — como João Calvino, Ulrico Zuínglio, Martin Bucer e outros — não apenas pregaram, mas trabalharam para estruturar comunidades baseadas em princípios bíblicos.

Essas são algumas das nações onde o legado da Reforma prosperou:

  • Suíça: Berço do pensamento de Calvino, especialmente em Genebra. A cidade tornou-se modelo de uma república reformada, um centro de treinamento para pastores enviados a toda a Europa.

  • Escócia: Sob a liderança de John Knox, o calvinismo se enraizou profundamente, formando a base da Igreja Presbiteriana.

  • Holanda: Apesar das guerras contra a Espanha católica, os Países Baixos abraçaram a Reforma, especialmente o calvinismo, que moldou profundamente sua cultura.

  • Alemanha: Onde Lutero iniciou a Reforma, luteranos estabeleceram igrejas e universidades baseadas em princípios reformados.

  • Inglaterra: Após o cisma com Roma, o anglicanismo se desenvolveu com influência calvinista nos Puritanos, que mais tarde levariam o Evangelho às Américas.

  • Estados Unidos: Colônias como Massachusetts foram estabelecidas por puritanos calvinistas que buscavam liberdade de culto. Lá, a Reforma cresceu com força.

Por Que Não no Brasil?

A tentativa de estabelecer uma presença reformada no Brasil fracassou por diversas razões: a dominação portuguesa, profundamente ligada ao catolicismo romano; a hostilidade às doutrinas protestantes; e a falta de apoio contínuo das igrejas reformadas europeias. A semente foi plantada, mas o solo, naquele tempo, estava endurecido.

Ainda assim, como escreveu Paulo: “Eu plantei, Apolo regou, mas Deus deu o crescimento” (1 Coríntios 3:6). O testemunho de Jean du Bordel e de seus companheiros não foi em vão. Seu sangue é como o de Estêvão: clama, não por vingança, mas para que vidas sejam alcançadas pela Verdade.

Reflexão Final

Jean du Bordel morreu por crer em uma promessa maior: a de que Cristo edifica Sua Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela (Mateus 16:18). Embora o Brasil não tenha acolhido a Reforma em seus primórdios, hoje, séculos depois, a fé reformada floresce em muitos corações, em igrejas comprometidas com as Escrituras e em famílias que seguem os passos de Cristo com temor e fidelidade.

A história dos mártires é, muitas vezes, a história silenciosa das promessas de Deus. E Ele não esquece nem um só daqueles que confiaram em Sua Palavra — ainda que seus nomes sejam esquecidos pelos homens, estão inscritos no Livro da Vida.

Ó Senhor da história e da eternidade,

Louvamos-Te por aqueles que, como Jean du Bordel, entregaram suas vidas por amor ao Teu nome. Suas palavras se calaram na terra, mas ecoam diante do Teu trono.

Tu és o Deus que planta sementes de eternidade mesmo em solo hostil. Tu conheces os campos onde ainda há pedras, espinhos e dureza de coração. Ensina-nos a não desprezar os pequenos começos nem os testemunhos esquecidos.

Senhor, aviva em nós a paixão por Tua verdade, e fortalece nossas mãos para labutar na seara, mesmo quando os frutos parecem distantes. Que não sejamos guiados por resultados visíveis, mas por fidelidade à Tua Palavra.

Lembra-nos, ó Deus, que o sangue dos santos não foi derramado em vão. Dá-nos a graça de viver como peregrinos, como servos, como testemunhas — certos de que Tu és fiel para completar a boa obra que começaste.

Levanta, neste tempo, outros que proclamem o Teu Evangelho com ousadia e humildade. Que o Brasil, um dia, cante com clareza: Soli Deo Gloria.

Em nome de Jesus, o Cordeiro que venceu,
Amém.


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