João Damasceno: Um Irmão do Oriente, um Aliado da Verdade


 


Como protestante, pode parecer curioso — e até ousado — reconhecer em um monge do século VIII, defensor dos ícones e figura venerada no cristianismo oriental, um aliado espiritual. Mas é exatamente isso que João Damasceno representa: um testemunho fiel de amor à verdade, à beleza e à herança apostólica, num tempo em que a fé era duramente desafiada por forças políticas e heresias internas.

 

Um Coração Queimando pela Verdade

Apesar de nossas diferenças confessionais, nós, protestantes, temos muito a aprender com a paixão de João Damasceno pela sã doutrina. Quando o Império Bizantino se curvou à iconoclastia — a destruição de imagens sagradas —, João, vivendo sob domínio muçulmano em Damasco, tornou-se uma das vozes mais corajosas a se levantar em defesa da encarnação e da ortodoxia.

 

Ele compreendia profundamente a realidade central do evangelho: Deus se fez carne. E, por isso, argumentava que a arte sacra podia, de maneira reverente, proclamar essa verdade aos olhos e corações do povo. Não defendia idolatria — mas sim o poder pedagógico e espiritual de uma fé que se comunica também por formas visíveis. Como protestantes que valorizam a pregação encarnada, a vida piedosa e a comunicação clara do evangelho, encontramos aí um espírito afim.

 

Um Defensor da Tradição Viva

João também foi um teólogo sistemático — um dos primeiros, aliás — e isso nos aproxima ainda mais. Seus escritos buscaram organizar a fé recebida dos apóstolos e dos pais da igreja, não como uma repetição vazia, mas como uma estrutura viva, coerente e edificante. Em seu tratado Exposição Exata da Fé Ortodoxa, ele não inventou doutrinas novas. Ele as recolheu, discerniu e apresentou com clareza, como um mordomo fiel que prepara a mesa com aquilo que recebeu.

 

Isso deve nos inspirar. Em um tempo onde muitos tentam reinventar o evangelho, João Damasceno nos lembra: a fé é algo que recebemos antes de transmitir. Isso ecoa nas palavras de Judas 1:3 — "a fé que de uma vez por todas foi entregue aos santos".

 

Beleza e Reverência: Um Convite à Adoração Autêntica

A teologia protestante, especialmente em suas formas reformadas, às vezes pecou por suspeitar demais da beleza — como se o que é belo fosse automaticamente superficial. João Damasceno nos corrige gentilmente. Ele nos mostra que a beleza pode ser um reflexo da glória de Deus, e que aquilo que é feito com reverência, sob o senhorio de Cristo, pode conduzir o coração à adoração verdadeira.

 

Não precisamos copiar os ícones ou os estilos bizantinos. Mas podemos redescobrir o valor da beleza em nossos cultos, da liturgia pensada com zelo, da música que eleva, da arquitetura que prega mesmo em silêncio. Em tudo isso, João nos encoraja a ver a fé não apenas como algo que cremos, mas também como algo que celebramos com os sentidos e com o coração.

 

Conclusão: Um Legado para Todos os Cristãos

João Damasceno não é apenas um santo do Oriente. Ele é, em certo sentido, um irmão mais velho que amou profundamente a verdade do evangelho, defendeu a glória do Verbo encarnado e serviu a igreja com coragem e erudição.

 

Como protestantes, podemos discernir no meio da tradição uma voz que aponta para Cristo — e nisso, João Damasceno nos inspira. Ele não nos convida a abraçar o passado por nostalgia, mas a valorizar a herança cristã como um solo fértil onde a Palavra de Deus floresce com beleza, fidelidade e poder.

 

Em tempos de incerteza e superficialidade, Damasceno nos convida a olhar para cima, a olhar para trás — e então, a seguir em frente com fé firme, mente clara e coração cheio de reverência.

 

Soli Deo Gloria.


Ó Deus Altíssimo,
Fonte de toda luz,
Autor de toda beleza visível e invisível,
Tu que adornaste os céus com estrelas
e embelezaste a terra com glória passageira,

Inclina o Teu ouvido à minha oração,
pois busco não apenas Teus dons,
mas a Tua presença — gloriosa, santa, irresistível.

Ensina-me a amar o que é belo porque reflete a Ti.
Livra-me de um coração que despreza o que é elevado,
mas dá-me olhos purificados para ver Cristo em tudo o que é puro,
nobre, excelente e digno de louvor.

Faz-me beber da fonte antiga,
a verdade revelada nas Escrituras,
o som dos passos dos santos que vieram antes,
o eco das vozes fiéis que proclamaram:
“Tu és digno, ó Cordeiro, de receber toda honra, glória e poder.”

Senhor, como João Damasceno,
dá-me coragem para defender o que é verdadeiro,
sabedoria para edificar com reverência,
e alegria para servir mesmo em tempos de escuridão.

Que a minha vida seja uma tela onde o Espírito pinta,
um templo onde o Filho habita,
um altar onde o Pai recebe louvor.

Que eu tema apenas a perder Teu favor,
e deseje apenas Teu rosto —
luz sobre luz, graça sobre graça.

Em nome de Jesus,
o esplendor do Teu ser,
o ícone perfeito da Tua glória,
oro e descanso.

Amém.









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