No Quintal da Alma, Brotou uma Raiz Maldita



Lembra daquela música antiga?

“Vai com Deus, sejas feliz com o teu amado... Tens aqui um peito magoado que muito sofre por te amar...”

(Tião Carreiro e Pardinho)

Essa música me veio à mente enquanto eu escrevia este artigo. Ela fala daquela sofrência tão comum nas músicas sertanejas, mas vai além — escancara algo que a gente costuma esconder até de nós mesmos: um peito magoado.

Ele canta uma decepção amorosa… mas existem muitas outras coisas que podem nos afetar com essa doença da alma. E você?

Está aí carregando mágoas escondidas, de alguém, de um tempo, de uma situação que nunca foi resolvida?

Ficou com o peito ferido — e foi empurrando tudo para debaixo do tapete da alma, achando que o tempo vai curar?

Pois eu te digo: o tempo não cura o que o coração se recusa a entregar a Deus.

E mágoa escondida vira raiz — daquelas que afundam, azedam e envenenam tudo ao redor.

A amargura é mais que dor — é veneno de alma, camuflado com cara de “eu só estou magoado”.

Ela se disfarça de direito, se alimenta de lembranças, e com o tempo, estraga até o que ainda estava bom.

Roubando a paz, distorcendo sua visão da vida, endurecendo o coração...

E se você acha que está "só triste", cuidado: pode estar cultivando um pé de amargura no quintal da alma.

E o pior não é só o estrago em você:

a amargura entristece o Espírito Santo de Deus.

Sim, Aquele que veio consolar e habitar em nós encontra portas trancadas num coração azedo que se recusa a perdoar.

É como servir café frio a um visitante tão digno — ou pior: dar-lhe fel no lugar de água viva.

Caros irmãos e irmãs, seguimos à mesa da Palavra, mergulhados no capítulo mais prático da carta aos Efésios, onde o apóstolo Paulo nos exorta a nos despirmos do velho homem e nos revestirmos do novo, criado segundo Deus. E, ao nos guiar por essa troca de roupagem espiritual, ele chega a um ponto surpreendente e enigmático:

E não entristeçais o Espírito Santo de Deus, no qual fostes selados para o dia da redenção.” (Ef 4:30)

Você já parou para pensar nisso? Que é possível entristecer o Espírito Santo?

O mesmo Espírito que é nosso Consolador pode ser entristecido por nossas atitudes.

E, como um médico que aponta os sintomas de uma doença grave, Paulo logo em seguida enumera o que precisa ser retirado de nós para que a comunhão com o Espírito não seja sufocada.

A primeira da lista?

A amargura.

Toda a amargura, e ira, e cólera, e gritaria, e blasfêmia e toda a malícia sejam tiradas dentre vós.” (Ef 4:31)

Hoje, vamos abrir esse pacote sombrio e entender por que a amargura é tão ofensiva ao Espírito de Deus — e tão destrutiva para nossa alma.



O que é Amargura?

A palavra grega traduzida como amargura é “pikría”, que originalmente se refere ao gosto amargo, ao que é azedo, ácido, áspero. Com o tempo, passou a ser usada para descrever um estado emocional crônico de ressentimento, dureza, rancor e hostilidade interna — um veneno cultivado no coração.

A amargura não é simplesmente tristeza. É tristeza fermentada. Não é apenas dor — é dor armazenada, nutrida e transformada em veneno.

Ela é um estado não resolvido de ofensa, uma ferida que se recusou a cicatrizar porque alguém preferiu alimentar o ressentimento em vez de perdoar.


Onde a Bíblia mostra o perigo da amargura?

A Escritura é clara e severa quanto aos riscos da amargura:

1. Hebreus 12:15 – Ela contamina muitos

Cuidem que ninguém se exclua da graça de Deus. Que nenhuma raiz de amargura brote e cause perturbação, contaminando muitos.

A amargura é chamada de raiz — ou seja, ela se esconde, cresce silenciosamente e se espalha. E como toda raiz venenosa, não contamina apenas quem a cultiva, mas a muitos ao redor. Famílias, igrejas, amizades e até ministérios são corrompidos por causa de uma alma azeda.

2. Rute 1:20 – Ela muda nossa identidade

Não me chamem de Noemi (agradável) [...] Chamem-me de Mara (amarga), pois o Todo-Poderoso tornou minha vida muito amarga.

Quando Noemi perdeu sua família, a dor foi tão profunda que ela redefiniu sua identidade: deixou de ser agradável e passou a ser amarga. A amargura tem esse poder devastador: faz com que paremos de nos ver como Deus nos vê — filhos, amados, selados para o dia da redenção — e passemos a nos enxergar como vítimas, endurecidos, indignos de alegria.


Como a amargura acontece?

A amargura não brota do nada. Ela é resultado de processos negligenciados, como:

  • Ofensas não resolvidas

  • Perdas mal digeridas

  • Injustiças sem perdão

  • Comparações e invejas internas

  • Autocomiseração (pena de si mesmo)

É uma cadeia silenciosa: você é ferido → não trata a ferida → começa a se lembrar constantemente da dor → passa a alimentar pensamentos de vingança ou lamento → envenena sua alma → e começa a se tornar amargurado.


Como vive uma pessoa amarga?

  • Fala frequentemente sobre suas mágoas.

  • Não consegue se alegrar com o bem dos outros.

  • Vê tudo com cinismo ou desconfiança.

  • Tem dificuldade em perdoar ou confiar.

  • Carrega o passado como se fosse o presente.

  • Crê que “ninguém entende” sua dor — nem Deus.

  • Tem o coração endurecido para a voz do Espírito.

O amargurado se isola da graça e fecha o coração para o Espírito Santo, que deseja curar, consolar e transformar.


Por que a amargura entristece o Espírito Santo?

Porque o Espírito é o selo da redenção futura (Ef 4:30), e a amargura é o apego doentio ao passado irredimido. O Espírito é amor, paz, mansidão e perdão — a amargura é o oposto disso tudo.

O Espírito é Aquele que restaura e reconcilia. A amargura é o que divide e destrói.

Por isso, não há lugar para os dois habitarem juntos. Onde a amargura é tolerada, o Espírito é entristecido.


O que fazer então?

A ordem é clara:

...sejam tiradas dentre vós.” (Ef 4:31)

A amargura não será arrancada por mágica. Ela precisa ser confessada, confrontada e substituída. Substituída por quê?

Sejam bondosos e compassivos uns para com os outros, perdoando-se mutuamente, como Deus os perdoou em Cristo.” (Ef 4:32)

A cura da amargura é o perdão baseado na cruz.
Enquanto olhamos para as ofensas dos outros, somos tentados a guardar rancor. Mas quando olhamos para o perdão que recebemos em Cristo, somos libertos para perdoar — e viver leves novamente.


Senhor misericordioso,
Tu conheces as feridas que carregamos — algumas tão antigas que já nos acostumamos com a dor.
Sabes onde fomos injustiçados, traídos, esquecidos ou feridos por palavras que ainda ecoam em nossa alma.

Mas sabemos também que guardar a mágoa é beber veneno esperando que o outro sofra.
E, no fundo, somos nós que adoecemos.
Por isso, humildemente, pedimos: cura-nos, Senhor.

Arranca de nós toda raiz de amargura que se esconde nas dobras do nosso coração.
Que o Espírito Santo não seja entristecido por lembranças que insistimos em cultivar.
Ensina-nos a perdoar não porque os outros merecem,
mas porque nós mesmos fomos perdoados, mesmo sendo indignos.

Não queremos mais viver escravos do passado, nem deixar que feridas velhas moldem quem somos hoje.
Refaz-nos, ó Deus, como solo novo e fértil.
Tira de nós o gosto amargo do ressentimento e planta em nós a doçura da graça.
Queremos ser jardim do Teu Espírito, não deserto de mágoas.

Dá-nos um coração livre para amar de novo, confiar de novo, respirar de novo.
E que o Teu Espírito encontre em nós um lugar de descanso, e não de resistência.

Em nome de Jesus, Aquele que carregou todas as nossas dores e nos ensinou a perdoar. Amém.

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