Resposta ao Irmão Sandro
Querido irmão Sandro,
A paz do nosso Senhor Jesus!
Esse tema que você trouxe já estava, pela graça de Deus, em meu coração e até elaborado em parte. Após uma intensa batalha contra o câncer, uma das decisões que tomei foi dedicar-me diariamente à escrita e publicação de artigos devocionais e teológicos. Já estou nessa caminhada há quase três anos, e posso testemunhar o quanto isso tem sido uma fonte de renovação, consolo e edificação para a minha vida espiritual.
Ao tratar deste assunto — as diferentes posições sobre os dons espirituais — não posso deixar de lembrar de dois homens de Deus que, para mim, estão entre os maiores pastores e mestres que esta geração teve o privilégio de ouvir: John MacArthur e John Piper. Ambos têm servido à Igreja com zelo, firmeza e amor pela verdade. Acredito sinceramente que o Senhor levanta tais servos para serem uma bênção às igrejas em tempos de confusão e superficialidade.
Como se trata de um assunto complexo e sensível, meu objetivo aqui não é esgotá-lo, mas apresentar um pequeno panorama — um highlight teológico, por assim dizer — das principais diferenças entre esses dois pastores amados. Ao final, compartilho também minha própria posição, com humildade, temor e compromisso com a suficiência das Escrituras.
Por conta das limitações do Facebook, não consegui compartilhar esse conteúdo por lá como desejava. Então estou lhe enviando este link diretamente, com carinho, para que você possa ler e refletir com calma.
Com amor em Cristo,
Leo de Paula
O que é Cessacionismo?
O cessacionismo é a crença de que certos dons espirituais — especialmente os chamados dons miraculosos ou extraordinários (como profecia, línguas e curas) — cessaram com o fim da era apostólica, ou seja, após a morte dos apóstolos e a conclusão do cânon bíblico (o Novo Testamento).
Essa visão é diferente do continuísmo, que ensina que esses dons continuam em operação na igreja até hoje.
🧠 Posição de John MacArthur – Cessacionismo Convicto
Visão Geral:
John MacArthur é um dos mais conhecidos defensores do cessacionismo nos dias atuais. Ele vê os dons milagrosos como sinais temporários, dados por Deus para autenticar os apóstolos e suas mensagens na fundação da Igreja.
Principais argumentos e bases bíblicas:
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Efésios 2:20
“Juntos, somos sua casa, edificados sobre o alicerce dos apóstolos e dos profetas. E a pedra principal é o próprio Cristo Jesus.”
🔎 Para MacArthur, isso mostra que os apóstolos e profetas tinham uma função fundacional e, portanto, não seriam repetidos.
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Hebreus 2:3-4
“Essa salvação foi anunciada primeiramente pelo Senhor e depois nos foi confirmada por aqueles que o ouviram. Deus também confirmou isso por meio de sinais, maravilhas, vários milagres e dons do Espírito Santo.”
🔎 Aqui, os milagres são apresentados como confirmação da mensagem original — algo ligado ao tempo dos apóstolos.
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1 Coríntios 13:8-10
“O dom de profecia desaparecerá, o dom de línguas cessará, e o dom de conhecimento acabará. [...] quando vier o que é perfeito, essas coisas imperfeitas desaparecerão.”
🔎 MacArthur interpreta “o que é perfeito” como o cânon das Escrituras completo, e portanto, os dons cessaram com isso.
Obras:
MacArthur desenvolve essa visão de forma profunda em seu livro "Strange Fire" (Fogo Estranho), onde critica fortemente os movimentos carismáticos e pentecostais, alegando que muitos abusos modernos são falsificações dos verdadeiros dons bíblicos.
🔥 Posição de John Piper – Continuísmo Reformado
Visão Geral:
John Piper é continuísta. Ele crê que os dons extraordinários do Espírito Santo — como profecia, línguas e curas — ainda estão disponíveis para a igreja de hoje, embora de forma bem mais sóbria e controlada do que muitos movimentos carismáticos demonstram.
Piper não é pentecostal, mas um reformado carismático com as Escrituras como autoridade máxima.
Principais argumentos e bases bíblicas:
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1 Coríntios 13:8–12
“Agora vemos de forma imperfeita, como um reflexo em espelho embaçado [...] então veremos tudo com clareza.”
🔎 Piper entende que "o que é perfeito" é a segunda vinda de Cristo, não a Bíblia. Logo, os dons continuam até que vejamos Jesus face a face.
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Atos 2:17–18
“‘Nos últimos dias’, diz Deus, ‘derramarei meu Espírito sobre todo tipo de pessoa. Seus filhos e suas filhas profetizarão...’”
🔎 Piper afirma que os “últimos dias” começaram no Pentecostes e continuam até hoje, então a profecia ainda faz parte da vida da Igreja.
🕊️ John Piper e as Profecias Hoje: Entre o Espírito e as Escrituras
“Não apaguem o Espírito. Não desprezem as profecias, mas ponham tudo à prova. Retenham o que é bom.”
(1 Tessalonicenses 5:19–21, NVT)Esse texto é um dos pilares do ensino de John Piper sobre os dons espirituais nos dias de hoje. Piper entende que Deus ainda fala por meio de impressões, palavras e discernimentos espirituais, mas nunca em contradição ou competição com a Palavra inspirada e suficiente — a Bíblia.
📢 O Que Piper Diz em Seus Ensinos
Em pregações e artigos, Piper costuma dizer algo assim:
“Não estamos falando de revelações infalíveis. Não estamos adicionando nada à Escritura. A Bíblia é a autoridade final, e tudo deve ser testado por ela. Mas creio que Deus, por meio do Espírito, pode colocar algo em nosso coração a respeito de alguém, algo que edifica, consola ou corrige — isso pode ser chamado de profecia.”
Ele distingue claramente entre:
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Profecia no nível apostólico (inspirada, infalível, Escritura)
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Profecia na igreja hoje (falível, subjetiva, deve ser testada)
Piper rejeita fortemente a ideia da “cartomante evangélica” — pessoas que dizem:
“Tenho uma palavra de Deus para você”
com autoridade, como se estivessem ditando novo conteúdo inspirado, além da Bíblia.Ele adverte que isso compromete a suficiência das Escrituras, pois coloca experiências e revelações subjetivas no mesmo nível da Palavra de Deus.
⚠️ O Perigo da "Profecia de Palco"
Piper denuncia com clareza o perigo de transformar a profecia em espetáculo emocional ou manipulação religiosa. Em suas palavras:
“Quando alguém diz ‘Assim diz o Senhor’ fora da Bíblia, precisamos ter muito cuidado. Esse tipo de linguagem pode ser espiritualmente abusiva. Pode colocar pressão nas pessoas e criar dependência de líderes em vez da Palavra de Deus.”
Ele reforça que toda profecia moderna é falível, pois passa por um ser humano falho. Por isso, deve ser sempre avaliada. Como?
📜 Aplicando 1 Tessalonicenses 5:19-21
1. Não apaguem o Espírito
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Piper vê aqui um chamado para não sufocar o mover legítimo de Deus. Ele diz:
“Muitas igrejas calaram o Espírito com medo de confusão, mas acabaram matando a expectativa do sobrenatural.”
2. Não desprezem as profecias
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Aqui, ele adverte contra a reação automática de ceticismo. Só porque houve abusos, não devemos jogar tudo fora. Isso seria como jogar fora o bebê junto com a água suja.
3. Ponha tudo à prova
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Essa é a chave de ouro: toda palavra, visão, sonho ou impressão deve ser testada pela Escritura. Piper insiste:
“A Bíblia é o crivo. A Bíblia é o prumo. A Bíblia é a autoridade final. Nada pode substituí-la ou corrigi-la.”
🧭 Como Piper Enxerga a Profecia no Culto
Ele defende um espaço onde, com ordem e submissão à liderança, membros da igreja podem compartilhar impressões ou palavras edificantes — sem afirmar autoridade profética absoluta.
Essas palavras devem:
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Consolar (1 Coríntios 14:3)
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Edificar
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Exortar
E devem ser julgadas pela liderança e pela igreja, como manda 1 Coríntios 14:29:
“Tratando-se de profetas, falem dois ou três, e os outros julguem o que foi dito.”
Piper comenta:
“Isso mostra que os dons continuam, mas não são inquestionáveis. É o Espírito agindo na comunidade, e não apenas no indivíduo.”
📚 Conclusão: Profecia Hoje? Sim, Mas Nunca Acima da Palavra
Piper nos desafia a viver o que Paulo ensina:
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Abrir espaço para o Espírito,
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Esperar que Deus ainda fale,
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Mas jamais colocar isso acima da Bíblia.
Ele nos lembra que a Bíblia não precisa de suplemento, mas nós precisamos de sabedoria para aplicar o que está escrito com sensibilidade espiritual.
A verdadeira profecia moderna, segundo Piper, é humilde, submissa, edificante e sempre sujeita à autoridade da Palavra...
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E afinal, como eu me posiciono?
Depois de observar com atenção as duas posições — tanto a do pastor John MacArthur quanto a do pastor John Piper — posso dizer que conheço plenamente os fundamentos bíblicos e teológicos de ambos. A posição de MacArthur, de fato, faz muito sentido em vários aspectos. Ela oferece uma resposta sólida e prudente diante do caos e das loucuras que, infelizmente, têm sido atribuídas ao Espírito Santo em muitos círculos contemporâneos. Se um dos reformadores — Lutero, Calvino, Zwinglio, ou mesmo Jonathan Edwards e Spurgeon — pudesse, por algum milagre, viajar no tempo e assistir certos “cultos” hoje, provavelmente teriam um ataque cardíaco diante de tamanhas aberrações feitas em nome de Deus.
Mas agora, falando a partir da minha própria experiência com o Senhor, não posso ignorar os muitos momentos em que fui impelido, de maneira profunda e inconfundível, a fazer perguntas, aplicar verdades bíblicas ou dizer algo específico a alguém — e, mais tarde, perceber com clareza que aquilo veio do Espírito Santo. Foram dezenas e dezenas de ocasiões marcadas por um mover que não nasceu da carne nem da razão, mas de uma condução do Espírito, sempre em harmonia com a Palavra.
Nesse ponto, identifico-me com a postura de John Piper. Concordo com ele que Deus continua agindo sobrenaturalmente na vida dos seus filhos — sim, absolutamente sim —, mas nunca fora dos limites da Escritura, nunca como substituto da Bíblia e jamais como espetáculo emocional.
Se me perguntarem onde estou entre essas duas posições — a de um cessacionismo rígido e a de um continuísmo sem freios — eu diria, com temor e sinceridade: estou “em cima do muro”. Mas não por indecisão, e sim por reverência.
Reverência porque, assim como no Antigo Testamento Deus se revelou progressivamente, em Cristo Ele nos deu a plenitude da Sua revelação. E mesmo assim, o Espírito continua a aplicar essa Palavra viva e eficaz aos nossos corações, no tempo e da forma que Ele quiser.
Portanto, estou no muro — e no topo desse muro está escrito:
“Deus, de acordo com Sua Palavra, faz o que quer, com quem quer, do jeito que quer.”
Como está escrito:
“Pois ele diz a Moisés: ‘Terei misericórdia de quem eu quiser ter misericórdia, e terei compaixão de quem eu quiser ter compaixão.’ Portanto, isso não depende do desejo ou do esforço humano, mas da misericórdia de Deus. [...] Assim, Deus tem misericórdia de quem ele quer, e endurece a quem ele quer.” — Romanos 9:15-18, NVI
E tudo isso — absolutamente tudo — está submetido e sustentado pela Escritura, nossa única e suficiente regra de fé e prática.
Abraços querido irmão Sandro
Leo
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