O Começo do “Blame Game”: Quando Adão e Eva Inventaram a Culpa Terceirizada
“Então o homem respondeu: ‘A mulher que tu me deste como companheira me ofereceu do fruto, e eu comi’. Então o Senhor Deus perguntou à mulher: ‘O que você fez?’ ‘A serpente me enganou — respondeu ela — e por isso comi.’” Gênesis 3:12–13 (NVT)
O Dia em que o Paraíso Virou um Tribunal
Há momentos na Bíblia que são tão humanos, tão próximos de nós, que parecem ter sido escritos ontem. E talvez nenhum seja mais atual do que este: o dia em que Adão e Eva inauguraram o blame game — o jogo da transferência de culpa.
O que começou com mordida de fruto terminou em desculpas criativas dignas de stand-up.
E, sinceramente, se não fosse trágico, seria cômico.
1. Adão: “Senhor, o problema... é seu!”
Adão abre a boca e já lança a primeira pérola da humanidade:
“A mulher que TU me deste... ela me deu o fruto, e eu comi.”
Tradução livre (e bem próxima da intenção dele):
“Olha, Senhor… eu estava muito bem, cuidando dos bichos, regando plantas, vivendo minha vida produtiva — até que o Senhor me fez dormir! Eu nem pedi, não reclamei de solidão, não enviei formulário solicitando esposa… Mas o Senhor resolveu criar alguém da minha costela. E depois ainda me entregou ela embrulhada como presente!
E agora… a culpa é minha? Não, Senhor. Fala sério.”
A cena é quase cinematográfica: Adão com cara de quem “só estava passando”, apontando para Eva com aquele olhar de:
“Eu? Nunca! Foi ela. E, aliás… foi o Senhor que começou tudo isso.”
E assim nasce o primeiro pecado social: terceirizar responsabilidade.
2. Eva: “Eu? Eu estava na boa! A serpente me enganou.”
Quando Deus olha para Eva, esperando talvez algum arrependimento direto, ela responde:
“A serpente me enganou, e eu comi.”
Ou seja:
“Senhor, olha… eu estava tranquila, passeando pelo jardim, nem estava pensando na árvore proibida — até que aquela serpente falante apareceu com suas ideias.
O problema não sou eu! A serpente me hipnotizou…”
Eva praticamente diz: “Eu sou vítima!”
E assim nasce o segundo capítulo do blame game:
“A culpa é sempre de alguém mais inteligente, mais manipulador, mais maligno… eu não, eu não sabia de nada.”
3. O Blame Game: Uma Herança que Continuamos Repetindo
Desde Gênesis 3, a humanidade segue fiel ao mesmo script:
-
“Eu só gritei porque minha esposa provocou.”
-
“Eu só pequei porque minha tentação é muito forte.”
-
“Eu só reagi assim porque meus pais me criaram desse jeito.”
-
“Eu só fiz isso porque a igreja não cuidou de mim.”
-
“Eu só caí porque o diabo me enganou.”
A velha liturgia de Adão e Eva continua.
Mudam os personagens, mas não muda o coração.
Fugimos da verdade porque encarar a responsabilidade dói.
Preferimos criar narrativas a encarar o Deus que pergunta:
“Onde estás?”
“O que fizeste?”
4. O que Deus Quer Nos Ensinar?
a) Deus não pergunta porque não sabe — mas porque nós precisamos saber.
Ao confrontar, Ele está nos devolvendo a lucidez:
“Olhe para você.
Olhe para o que você escolheu.
Assuma o que é seu.”
b) A transferência de culpa é tão séria quanto o pecado que tentamos esconder.
Culpa terceirizada é orgulho disfarçado.
E orgulho sempre separa. Sempre mata. Sempre destrói.
c) Só confessa quem para de fugir.
Adão fugiu.
Eva justificou.
Mas nenhum deles confessou diretamente.
É isso que frequentemente nos prende ao mesmo ciclo.
Conclusão: O Pecado de Transferir Culpa
O Éden nos mostra que um dos maiores pecados da humanidade não foi apenas comer o fruto — mas fugir da responsabilidade moral depois.
Quando apontamos para outros, para o ambiente, para a história, para o diabo, para Deus — e não para nós mesmos — recusamos a verdade que liberta.
O blame game não é só um erro comportamental:
é rebelião contra a luz, é negação da verdade, é evasão da consciência, é fuga de Deus.
Enquanto insistimos em culpar outros pelas escolhas que nós mesmos fazemos, permanecemos escondidos entre árvores que não têm poder de nos cobrir.
O Chamado Final
Deus ainda pergunta:
“Onde estás?”
“O que fizeste?”
Não fuja.
Não invente.
Não transfira.
Admite. Confessa. Enfrente.
Só quem assume sua responsabilidade encontra a graça que cura.
Senhor nosso Deus,
Tu que sondas corações e vês por trás de todas as folhas que usamos para tentar nos cobrir,
nós nos colocamos diante de Ti com verdade e tremor.
Confessamos, ó Pai, que somos rápidos em acusar,
lentos em assumir,
prontos a apontar dedos,
e tardios em curvar o coração.
Desde o Éden, carregamos o impulso de fugir,
de transferir responsabilidades,
de justificar pecados com histórias habilidosas
e discursos que escondem, mas não curam.
Perdoa-nos, Senhor,
porque muitas vezes repetimos Adão e Eva:
“não fui eu”, “não é minha culpa”, “alguém me provocou”,
como se pudéssemos enganar Aquele que tudo vê.
Livra-nos da altivez que culpa outros,
e da preguiça espiritual que se recusa a confessar o que precisa morrer dentro de nós.
Dá-nos corações quebrantados,
espíritos submissos,
e olhos abertos para enxergar a nossa própria responsabilidade.
Ensina-nos a parar diante da Tua voz que pergunta:
“Onde vocês estão?”
E dá-nos coragem para responder com sinceridade,
sem máscaras, sem desculpas, sem fuga.
Que a Tua graça derrube nossas defesas,
e a Tua misericórdia nos conduza à luz.
Que sejamos um povo que não se esconde,
mas que corre para Ti,
porque somente em Ti encontramos perdão,
cura e restauração.
Livra-nos, ó Deus,
do veneno da transferência de culpa,
e planta em nós a humildade que abraça a verdade.
Que possamos assumir nossos pecados,
confessá-los diante de Ti,
e andar em novidade de vida.
Em Cristo, o segundo Adão,
que não fugiu, não acusou, não se escondeu,
mas assumiu nossa culpa para nos dar vida —
nEle oramos.
Amém.


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